Um pouco de História
Definir a gênese da Arte Ninja nunca é uma tarefa fácil. Existem muitas versões para aquilo que foi o “início” da história do Ninjutsu. Cada clã ou associação conta a mesma história sob um ponto de vista diferente, mas mesmo assim, existem fatos relevantes que se repetem na maioria das versões. Esses pontos em comum são de suma importância para o entendimento do modo de vida do ninja. O primeiro deles é a sua origem.
Para entender esse ponto, se faz importante lembrar que o Japão mesmo sendo um império é geograficamente falando um país pequeno, não nos esqueçamos que é uma ilha. E como toda civilização que tem uma relação íntima com o mar, ela depende de suas relações comerciais e portuárias. É importante nesse momento frizar que o Ninjutsu é de origem japonesa, porém a sua arte, desenvolvimento é um apanhado de técnicas e conhecimentos que vinham do continente e ganhavam um novo aspecto sob o olhar japonês que possui uma estética peculiar e de características fortes.
Existem três tradições filosóficas que ao se encontrarem fizeram a gênese da arte que conhecemos nos dias atuais. Podemos denominar estas três correntes pelos seus países de origem:
- Corrente Indiana ou budista
- Corrente Chinesa ou taoísta
- Corrente Japonesa ou xintoísta
É interessante saber que na primeira corrente houve também a influência do hinduísmo, de seu panteão de deuses, e de suas práticas, pois as mesmas estão incrustradas nas práticas do budismo. O mesmo acontece com a segunda e a terceira, pois é da China que vem a linhagem de Budismo Chan que influenciou o Zen budismo japonês que mais tarde influenciaria o Xintoísmo.
É notório que as três linhas estão extremamente relacionadas, inclusive influenciando o próprio meio de vida do povo japonês como um todo. Para não confundir a interpretação da história, as três linhas serão tratadas de maneira isoladas, para que possa fazer um entrelaçamento das mesmas no final.
Influência da Índia: o início de tudo.
Como foi dito anteriormente no século VI a.C. ao noroeste da Índia nasceu Sidarta Gautama, filho de Suddhodana. Antes de Sidarta nascer, seu pai foi, seguindo o costume da época, a um astrólogo saber das previsões sobre seu filho. Ele lhe disse que seu filho ”cresceria para ser um herói e conquistaria o mundo, ou seria um sábio” (Livro de Ouro do Zen, pág 28). Apesar de seu pai ter escolhido a primeira opção já que seu filho seria um príncipe, futuro herdeiro do seu trono, Sidarta procurou o segundo caminho, o que fez dele o grande “divisor de águas” na Índia e em todo
o mundo Oriental, pois seria a pedra fundamental de uma das principais religiões do mundo: O budismo.
O budismo teve muita influência do próprio hinduísmo, já que o mesmo nunca negou a legitimidade de Buda, e aceita vários deuses e a até mesmo o aparecimento de novos, pois acredita que de vez em quando eles “descem” aqui na Terra para deixar seus “grandes ensinamentos”.
Este fato foi de suma importância para toda a cultura oriental, pois, monges sairiam
muito tempo depois da Índia, para influenciar todo o oriente com as idéias de Buda. No Japão não foi diferente, após mil anos da criação do budismo indiano, ele chega ao país, depois do taoísmo e confucionismo.
Estes monges abriram templos em todo o Japão, sendo que alguns deles se refugiaram em montanhas para buscar a iluminação. Mais tarde, com a crise do Sistema Feudal japonês, as muitas famílias que foram proibidas de praticar as suas artes, resolveram se refugiar nestas montanhas. Os monges que ali viviam eram temidos por todos, pois, acreditava-se que eram tengu(s), tipo de um demônio em forma de corvo, e que possuíam poderes paranormais, afastando qualquer um que quisesse entrar na montanha. Crença à parte, isto foi estratégico para a evolução de algumas artes marciais, principalmente o Ninjutsu.
Influência chinesa: o kung fu e o Tao.
O imperador chinês Liang Wu Ti era um forte patrono do budismo, por isso convidou o patriarca para viajar até a China. A visão dos dois era bem diferente em relação ao budismo: o imperador tinha uma visão mais salvadorista enquanto o patriarca acreditava em um budismo de meditação e de busca interior.Mil anos depois de Buda, nasceu na Índia Daruma Taishi (Bodhidharma para os indianos e Ta Mo para os chineses). Ele foi o 28o patriarca do budismo, ou como é citado “o 28o Buda”, e criador do pensamento Chan que se tornaria o Zen budismo japonês. Assim como Sidarta, Daruma não era de uma casta baixa, ele pertencia à casta guerreira dos Kshtra (guerreiros indianos), e como tal, havia aprendido o Vhajramusht.
A base do pensamento criado por Daruma veio do Tao chinês que era a idéia que existia um vazio, onde se encontrava a essência de todas as coisas. A partir disto Daruma acreditava que uma pessoa atingiria a iluminação quando conseguisse atingir através da meditação o Nada. Por causa da diferença de pensamentos ele viajou pelo reinado de Wei, onde se hospedou no Templo Shao lin (cuja tradução é “Pequena Floresta”), onde passou a morar.
Ali estabelecido, passou a ensinar aos monges a meditação, e o caminho do Vazio. Como já foi dito, a necessidade de ficar mais tempo meditando, e por causas externas, o patriarca começou a ensinar aos monges o Vhajramusht.
O vhajramusht é composto de três fases bem definidas:
- Exercícios de preparação
- Luta com armas
- Luta corpo a corpo
Exercícios das três fases teriam sido adicionados à rotina diária dos monges do templo. Os monges mais experientes e com conhecimentos de um antigo estilo de luta, somando ainda a observação da natureza, criaram a partir destes três princípios o Kung fu. A fusão entre as duas lutas ocorreu de maneira análoga com as filosofias indiana e chinesa.
Os monges chineses também tiveram influência de outros lugares, principalmente a de monges tibetanos que vagavam pela China. Esta influência se mostra através dos mudra, que no ninjutsu se transformaram nos Kuji Kiri, principal exercício de alto nível do treinamento mental do ninja.
A China foi invadida pelos manchus, e os refugiados políticos pediram asilo no templo. Os refugiados começaram a pregar a resistência ao invasor, por isso os manchus tentaram invadi-lo várias vezes. A localização do templo e o conhecimento dos monges em artes marciais impediram estas invasões.
O templo só foi invadido por causa da traição de um monge que não teria conseguido subir de casta por ter falhado em um teste. O local foi destruído e os monges se refugiaram em vários lugares do oriente, inclusive indo para o Japão, se instalando nos montes de Iga e Koga.
Lá houve uma “simbiose” entre os clãs que se encontravam na montanha e outros monges. Desta interação surgiram os Yamabushi (guerreiros da montanha) no fim do período Heian, século XII d.C. Entre outras coisas os monges chineses também levaram para o Japão tratados e métodos militares importantes, como, por exemplo, um dos mais famosos da atualidade: “A arte da Guerra de Sun Tzu”. Estes métodos descreviam técnicas de espionagem e estratégia militar, onde o principal agente era o espião. Isto seria o embrião do ninja.
Outros dois livros importantes trazidos por monges e comerciantes chineses eram o Sonchi e Tonyo, que seriam outros dois métodos militares importantes.
As tradições marciais chineses agora se mesclavam com o Bugei japonês, até evoluir ao bujutsu, que seria o próximo estágio de evolução nas artes marciais japonesas.
Kung fu vem da expressão em chinês Koung fou, que significa “fazer direito”. Geralmente para a arte marcial se fala Wu shu. O símbolo de wu shu em chinês é 武術 e que em japonês se pronuncia Bujutsu, que é exatamente uma das fases das artes marciais japonesas. Coincidência? Nenhuma. Isto só vem mostrar que o kung fu e a cultura chinesa tiveram uma grande influência sobre a cultura japonesa. A escrita é um exemplo bem claro disto. Os kanji são uma forma japonesa mais moderna da escrita simbólica chinesa.
Quanto ao Tao e outras filosofias, chegaram um pouco antes no Japão, mas influenciaram ricamente na composição da cultura e das artes japonesas.
Influência Japonesa: o xinto, o bugei e a tradição familiar.
A história nos leva ao século VI d.C. quando se documenta a primeira referência a palavra shinobi (espião ou secreto). A imperatriz Suiko e o príncipe Shotoku Taishi que estavam na luta pelo trono com Moriya, empregaram os serviços do ninja pela primeira vez em 593 d.C.. No caso duas pessoas receberiam a designação de Shinobi: Micinque no Mikoto e Otomo no Sajin.Existem vários fatos relevantes da influência japonesa no surgimento do ninjutsu, porém vou me ater aos mais significativos e menos controversos, já que a prioridade não é aprofundar-se na história da modalidade.
Shotoku Taishi era um budista fervoroso, por isto quando assumiu o Trono desencadeou uma guerra civil que provocaria uma tensão entre budistas e xintoístas. Uma pessoa importante apareceu para dar fim à disputa: um Yamabushi cujo nome era En no Gyoja. Ele criou o Shugendo, que era uma ramificação do Xintoísmo, mas tinha traços de budismo e taoísmo. Esta religião se caracterizava por cultuar as divindades e almas dos mortos que viviam nas montanhas.
Por causa deste fato, os aristocratas e os daimios temiam o fortalecimento dos yamabushi através de En no Gyoja e que por isto ambicionassem o trono. Um grande contingente foi empregado para destruir os yamabushi. Os poucos que sobraram se refugiaram em montanhas na região de Iga e Koga (nome também de duas montanhas de cada região).